Inovações no aproveitamento do soro de leite 536b6

A indústria de laticínios desempenha um papel importante na cadeia alimentar, com destaque para a produção de leite e seus derivados, entre os quais se destaca o soro de leite como coproduto. 5yo2y

156 Views 7 Min

Claudety Barbosa Saraiva, Mariana Campos Lima, Cássia Cantarino da Silveira e Clarice Coimbra Pinto.

27/05/2025 11h05 - Atualizado há 2 semanas

Inovações no aproveitamento do soro de leite

Foto Divulgação Freepik

A indústria de laticínios desempenha um papel importante na cadeia alimentar, com destaque para a produção de leite e seus derivados, entre os quais se destaca o soro de leite como coproduto. Segundo a FAO (2025), a produção global de leite alcançou aproximadamente 979 milhões de toneladas em 2024. Dentre as principais transformações industriais do leite, a fabricação de queijos é responsável por converter entre 85% e 90% do volume em soro (GIRACT, 2023). De acordo com o USDA (2024), a produção mundial de queijo na safra 2024/2025 foi de cerca de 22,52 milhões de toneladas métricas, resultando na geração de aproximadamente 202,68 bilhões de litros de soro de leite.

Esse soro contém aproximadamente 1,32 milhão de toneladas de proteínas, das quais cerca de 658,7 mil toneladas são desperdiçadas, evidenciando a necessidade de adoção de estratégias eficientes de valorização desse coproduto em escala global.

Além do volume gerado, o soro de leite possui cerca de 55% dos nutrientes do leite original, incluindo lactose, proteínas solúveis (como β-lactoglobulina e α-lactoalbumina), sais minerais e vitaminas hidrossolúveis (Sarmento et al., 2021). Essa composição o qualifica como um insumo de elevado valor agregado, com potenciais aplicações como ingrediente funcional, fonte de proteínas bioativas e substrato para processos biotecnológicos.

Apesar desse potencial, estima-se que aproximadamente 50% do soro de leite produzido mundialmente ainda seja descartado ou subutilizado, sobretudo em regiões com infraestrutura limitada para seu processamento e valorização (Silva et al., 2023). O descarte inadequado desse coproduto provoca impactos ambientais significativos, atribuídos à sua elevada carga orgânica e consequente potencial poluidor, podendo causar processos de eutrofização em corpos hídricos (Sarmento et al., 2021).

Por outro lado, observa-se um crescente interesse na aplicação de conceitos de economia circular e biotecnologia de resíduos agroindustriais, que vem impulsionando o desenvolvimento de iniciativas inovadoras para a valorização do soro de leite, ampliando significativamente seu aproveitamento além dos usos tradicionais na indústria alimentícia e de nutrição animal.

Neste contexto, este artigo técnico propõe-se a apresentar e analisar inovações na valorização do soro de leite como coproduto, abrangendo setores distintos, tais como: bebidas alcoólicas destiladas, cosméticos e produtos de limpeza, bioplásticos biodegradáveis, proteínas lácteas obtidas por fermentação de precisão e peptídeos bioativos.

As iniciativas descritas correspondem a casos concretos de aplicação industrial, implementados em diferentes países, que demonstram modelos de aproveitamento já consolidados no mercado. Cada uma será abordada a seguir, com ênfase no processo de conversão tecnológica e no produto final resultante.

Inovações

Diversas empresas demonstram, em escala comercial, que o soro de leite pode ser convertido em insumos de alto valor agregado, explorando rotas tecnológicas que transcendem os usos tradicionais (Figura 1) Estas iniciativas resultam da aplicação direta de avanços biotecnológicos e de engenharia de processos, previamente validados em pesquisas científicas e patentes.
Nos Estados Unidos, a Wheyward Spirit converte a lactose residual do soro em etanol através de processos fermentativos, sendo este posteriormente destilado e maturado, originando destilados . A fermentação da lactose do soro para produção de etanol é uma rota amplamente estudada, destacando-se os trabalhos de Guimarães et al. (2010), que demonstram a conversão eficiente por leveduras adaptadas (Guimarães; Teixeira; Domingues, 2010). A Wheyward também retorna subprodutos a cadeias de ração ou bioenergia.

De forma análoga, mas com foco em vodka, a britânica Black Cow Vodka fermenta, destila e filtra o soro até atingir a pureza necessária para a obtenção de uma bebida neutra, configurando um modelo de economia circular.

No campo dos tensoativos, a belga AmphiStar inocula microrganismos capazes de converter lactose e frações lipídicas do soro em biossurfactantes, com propriedades detergentes e emulsionantes comparáveis aos surfactantes petroquímicos, mas com biodegradabilidade superior. Este processo biotecnológico está descrito em diversas pesquisas, como a de Rodrigues et al. (2021), que exploram a utilização de resíduos lácteos para síntese de biossurfactantes com aplicação industrial (RODRIGUES et al., 2021). Esses compostos abastecem linhas de xampus, sabonetes líquidos e limpadores domésticos.

A sa Lactips utiliza a caseína do soro, por meio de bioprocessos, produz termoplástico hidrossolúvel e totalmente biodegradável, aplicado em filmes, sachês monodose e cápsulas de detergente. Nos Estados Unidos, a Perfect Day adota fermentação de precisão: microrganismos geneticamente modificados recebem os genes das principais proteínas de soro, expressando-as em biorreatores. O produto é então purificado e fornecido como β-lactoglobulina idêntica à bovina, em produtos lácteos alternativos. Esse processo tem sido amplamente descrito na literatura, como por Tucker et al. (2022), que analisam a fermentação de precisão como solução sustentável para a produção de proteínas lácteas (Tucker; Drake; Meyer, 2022).

Por fim, a dinamarquesa Arla Foods Ingredients aplica ultrafiltração e hidrólise enzimática sequencial para fracionar o soro em peptídeos bioativos com alegações comprovadas de modulação imunológica e atividade anti-hipertensiva. Esta aplicação encontra respaldo em revisões como a de Korhonen e Pihlanto (2006), que destacam a produção de peptídeos bioativos via hidrólise de proteínas lácteas e suas diversas funções fisiológicas (Korhonen; Pihlanto, 2006).

Esses casos ilustram rotas tecnológicas distintas — destilação, biossíntese microbiana, modificação proteica e polimerização — que convergem no princípio comum de transformar o soro de leite de um ivo ambiental em um recurso estratégico, gerando receita adicional, reduzindo emissões e alinhando-se às metas globais de economia circular.

Conclusão

As inovações apresentadas neste artigo demonstram que o soro de leite já é amplamente utilizado como matéria-prima para a produção de destilados, biossurfactantes, bioplásticos, proteínas alternativas e peptídeos bioativos.

Esses exemplos mostram que a valorização do soro é uma realidade concreta, com processos bem estabelecidos e produtos inseridos no mercado, destacando seu papel como insumo estratégico em diferentes setores industriais.

Referências Bibliográficas

AMPHISTAR. AmphiStar. Disponível em: https://amphistar.com. o em: 27 maio 2025.

ARLA FOODS INGREDIENTS. Our ingredients. Disponível em: https://www.arlafoodsingredients.com. o em: 27 maio 2025.

BLACK COW VODKA. Our process. Disponível em: https://www.blackcow.co.uk/pages/our-process. o em: 27 maio 2025.

GIRACT. Whey Book 2023: Proposal and Subscription Form. 2023.

Disponível em:https://www.giract.com/food_industry_news/Whey%20Book%202023%20Proposal%20and%20Subscription%20Form%202023.pdf. o em: 27 maio 2025.

LACTIPS. Natural solutions to microplastics. Disponível em: https://www.lactips.com/en/homepage/. o em: 27 maio 2025.

PERFECT DAY. Non-animal whey protein made through fermentation. Disponível em: https://perfectday.com. o em: 27 maio 2025.

SARMENTO, G. C. et al. Potencial de valorização do soro de leite: panorama e tendências. Revista de Ciências Agrárias, Lisboa, v. 44, n. 2, p. 315-322, 2021.

SILVA, F. L.; OLIVEIRA, T. R.; SANTOS, G. R. Aproveitamento e valorização do soro de leite: uma revisão de tecnologias emergentes. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v. 26, p. 1-12, 2023.

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. Dairy and Products Annual – Brasília, Brazil BR2023-0026. Washington, 2023.

Disponível em: https://apps.fas.usda.gov/newgainapi/api/Report/ReportByFileName?fileName=Dairy+and+Products+Annual_Brasilia_Brazil_BR2023-0026.pdf. o em: 27 maio 2025.

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. Dairy: World Markets and Trade. Washington, 2024. Disponível em: https://www.fas.usda.gov/data/dairy-and-products-annual. o em: 27 maio 2025.

WHEYWARD SPIRIT. Wheyward Spirit. Disponível em: https://www.wheywardspirit.com. o em: 27 maio 2025.

Autores: Claudety Barbosa Saraiva, Mariana Campos Lima, Cássia Cantarino da Silveira, Clarice Coimbra Pinto.

FONTE: EPAMIG/Instituto de Laticínios Cândido Tostes